A partir de demandas comuns relativas ao Ensino Religioso, o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso e a Editora FTD Educação firmaram uma parceria para apoiar a formação de Professores da área de conhecimento da Educação Básica e componente curricular Ensino Religioso.

A primeira entrega é a disponibilização de uma coletânea denominada de “Saberes e práticas do Ensino Religioso”. E primeira obra resultado da parceria trata dos “Fundamentos epistemológicos do Ensino Religioso”, escrita por Elcio Cecchetti e Adecir Pozzer, e tem como objetivo oferecer uma visão ampla sobre a docência do Ensino Religioso (ER), conforme a legislação brasileira e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

O foco do texto é a análise das diferentes concepções epistemológicas que fundamentaram o Ensino Religioso ao longo da história da educação brasileira, com destaque para a proposta não confessional adotada pela BNCC em 2018.

A seguir, estão os principais pontos resumidos:

1. A Teologia Cristã Católica como Referência Histórica

Historicamente, os fundamentos epistemológicos do Ensino Religioso não eram discutidos, sendo sustentados por acordos político-teológicos entre o Estado e a Igreja.

  • Período Colonial e Imperial: Desde meados do século XVI no Brasil Colônia, o ensino da religião foi um instrumento de catequese e colonização, assegurado pela presença jesuíta. A teologia cristã católica era a referência, imposta para implementar um Estado católico e negar os sistemas de crenças dos diferentes grupos culturais, como indígenas e africanos.
  • Regime do Padroado e Regalismo: A Igreja Católica estava profundamente integrada ao tecido social e político, e a instrução era responsabilidade do clero e do rei (Regime do Padroado). A Constituição de 1824 manteve o Catolicismo como a religião do Império (Regalismo).
  • Facultatividade: O Decreto de 1879, que reformou o ensino, introduziu a fórmula da “facultatividade” para os alunos acatólicos, permitindo o Ensino Religioso fora do horário das disciplinas científicas, sendo a primeira vez que a legislação reconheceu a existência de estudantes não católicos.

2. Disputas e a Proposta Não Confessional

Com a Proclamação da República (1889), foi assegurada a liberdade religiosa e extinto o regime do padroado. A Constituição de 1891 estabeleceu que o ensino deveria ser leigo.

  • O Debate da Laicidade: O conceito de laicidade gerou polêmicas. De um lado, defendia-se a exclusão de qualquer temática religiosa do ensino público (visão anticlerical); de outro, a hierarquia católica reivindicava a continuidade do ER nos estabelecimentos públicos.
  • O Ecumenismo e a Religiosidade: Sob influência do movimento ecumênico, a natureza confessional começou a ser problematizada. Na década de 1970, o padre Wolfgang Gruen (1927-2024) liderou uma “virada” epistemológica ao diferenciar Ensino Religioso de catequese.
  • Diferenciação ER e Catequese: Catequese corresponde ao ensino doutrinário focado no crescimento da fé cristã. O Ensino Religioso, na concepção de Gruen, é uma prática educativa que visa proporcionar experiências, informações e reflexões sobre a dimensão religiosa da vida (religiosidade) do estudante, sem tomar a fé como ponto de partida ou objetivo.
  • A ERE e o Fonaper: As práticas de Educação Religiosa Escolar (ERE), adotadas por quase três décadas sob uma perspectiva ecumênica em alguns estados, inspiraram a proposta de Ensino Religioso não confessional, que passou a ser alicerçada em pressupostos científicos e não eclesiásticos.
  • O Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (Fonaper), fundado em 1995, consolidou-se na defesa de o ER ser uma área de conhecimento, um lugar de apropriação dos conhecimentos religiosos como patrimônios culturais da humanidade, pautado na liberdade religiosa e na cidadania.

3. Consolidação Legal e o PCNER

A Lei nº 9.475/1997 deu uma nova redação ao Artigo 33 da LDB, definindo o Ensino Religioso como parte integrante da formação básica do cidadão, de matrícula facultativa, assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa e vedando quaisquer formas de proselitismo.

  • PCNER: O Fonaper elaborou os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso (PCNER) (1997), a primeira proposição de currículo não confessional.
  • Objeto de Estudo (PCNER): O objeto de estudo do Ensino Religioso foi definido como o fenômeno religioso. O objetivo é gerar um “saber de si” fundamentado na fenomenologia da religião.
  • Fenomenologia da Religião: Esta abordagem (influenciada por Mircea Eliade) estuda a origem, estruturas e significado dos fenômenos religiosos, que se manifestam por meio de mitos, símbolos e ritos.
  • Eixos Curriculares (PCNER): Os conteúdos foram organizados em cinco eixos: Culturas e tradições religiosas; Teologias; Textos sagrados e tradições orais; Ritos; e Ethos.

4. Fundamentos Epistemológicos na BNCC

A inclusão do Ensino Religioso na BNCC (2017) consolidou sua função social e pedagógica, posicionando-se explicitamente contra o proselitismo.

  • Fundamentos Epistemológicos (BNCC): A BNCC assumiu a interculturalidade e a ética da alteridade como fundamentos teóricos e pedagógicos do Ensino Religioso.
  • Interculturalidade: Envolve uma postura de vida que desafia a conhecer e interagir com diferentes culturas e religiosidades, buscando a convivência democrática e o enriquecimento mútuo, além de promover processos decoloniais do saber e do poder.
  • Ética da Alteridade: Baseada em Emmanuel Lévinas, defende que a constituição do ser humano se dá pela relação face a face com o Outro. Exige responsabilidade, acolhimento, e o reconhecimento da diferença e originalidade do outro, superando o julgamento.
  • Abordagem Ético-Científica: O Ensino Religioso deve abordar os conhecimentos religiosos a partir de pressupostos éticos e científicos, sem privilégio de nenhuma crença ou convicção. O pressuposto científico utiliza métodos das Ciências da Religião para estudar os fenômenos religiosos imparcialmente, diferenciando-se da doutrina particular.
  • Objeto de Estudo (BNCC): O objeto de estudo é o conhecimento religioso, entendido como um bem simbólico resultante da busca humana por respostas aos enigmas da vida.
  • Unidades Temáticas (BNCC): O currículo é estruturado em três unidades temáticas que transversalizam o Ensino Fundamental:
    1. Identidades e alteridades: Incentiva o reconhecimento do caráter singular e diverso do ser humano, e a compreensão da relação entre imanência e transcendência.
    2. Manifestações religiosas: Aborda símbolos, ritos, espaços e lideranças para promover a convivência com a diversidade religiosa.
    3. Crenças religiosas e filosofias de vida: Cobre mitos, ideias de divindade(s), doutrinas, tradições e princípios éticos, incluindo as perspectivas de pessoas que se declaram sem religião (filosofias de vida).
  • Competências: A BNCC estabelece seis competências específicas para o Ensino Religioso, focadas em conhecer, compreender, valorizar, reconhecer, conviver e debater a diversidade e a intolerância religiosa, assegurando os direitos humanos e a cidadania.

No anexo, pode-se acessar o e-book, pelo QR Code, pois a obra e a coletânea estarão disponíveis para acesso livre e gratuito a todos os interessados.

Autor da síntese: Alberto Simões Gaspar

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