A religião é de foro íntimo e o leitor certamente reconhecerá de pronto a assertividade desta noção. O termo consagrou-se através do Direito, sendo sinônimo de ideias e princípios conscientes, mas que o indivíduo mantém de maneira reservada e não expressa publicamente. (Indico a obra do português Fernando Catroga sobre o assunto.) Nos Estudos das Religiões, contudo, a noção é mais profunda. O fenômeno religioso nasce analético, dialoga com o Inconsciente Coletivo e é anterior à dialética do mundo e às vicissitudes da história. Os dois sentidos do termo, então, se completam.
NA HISTÓRIA
No tempo histórico que nos cerca cotidianamente, o indivíduo – e até mesmo certos grupos sociais religiosos! – podem manter segredo de princípios e ideias que jamais serão públicos. Muito do Arquivo, como denomina a psicanálise, e da Memória, como conceitua a História, já escapou e continuará escapando das mãos do pesquisador pelo seu caráter de intimidade e segredo. Em um livro magnífico chamado “Quando nosso mundo se tornou cristão”, o historiador Paul Veyne chega a lamentar a inacessibilidade da profundidade da oração que cala fundo no coração do fiel para quem pesquisa a religião dele… Só ele, fiel, compreende esta experiência plenamente. Ela não se traduz para a linguagem.
NO IMAGINÁRIO
A despeito da empáfia que ainda marca setores racionalistas da vida acadêmica, nossas noções ou conceitos vão por um caminho que está sintetizado no próprio nome do nosso grupo de estudos: Videlicet, que em latim significa “aquilo que se pode ver”. Para Gilbert Durand, o Imaginário não pode ser dissecado como um cadáver. Da faculdade da imaginação, em “última instância”, nascem as estruturantes que carregam de energia simbólica os schèmes (sic), os arquétipos, os próprios símbolos e os mitos. Nenhum ser humano tem a possibilidade de arrancar de dentro de si esta intimidade ligada ao profundo da alma, tão bem estudado por Carl Jung. O íntimo nos é ontológico.
NA LAICIDADE À BRASILEIRA
O paradigma da Laicidade se consolidou na Ilustração Iluminista do século XVIII. Dizer que não há modelo para ele é uma versão apressada da crítica histórica. Numa Cultura Histórica contemporânea, um acadêmico destes tempos de pós-verdade pode até dizer que há outros modelos além daquele, mas o tempo histórico não prescinde da “seta do tempo”. A Ilustração e seus antecedentes vieram antes. Simples assim! Também não se pode reduzir a laicidade ao laicismo francês, pois a noção tem contribuições e vivências vindas de várias partes do mundo, inclusive do Brasil. À brasileira, sim, por que não!? Para lutar HOJE pela Diversidade Religiosa e contra a intolerância, as noções politicamente mais fortes vêm da soma entre o Foro Íntimo aceito nos tribunais e a Laicidade ilustrada das políticas públicas. O academicismo não deve ser motivo para uma alienação!