Nosso professor era assim. Pedia que depois da aula ninguém o procurasse para discutir assuntos que deveriam ser tratados em sala, muito menos durante o almoço. Ele, que não gostava de cebola, mas de pedalar, ensinava com as vísceras. Suas aulas de Teologia Fundamental no Instituto Santo Inácio, em Belo Horizonte, eram magistrais.

Foi seu amor à Verdade – tanto quanto seja possível nos aproximarmos dela – que me ajudou a buscar a minha verdade. Ao menos a clareza para aquele momento da minha história. Saía de suas aulas sem conseguir emitir palavra. Suas “provocações” iam e vinham. Exercício de ruminação. Se instalava um silêncio ao mesmo tempo inquieto e fértil, com implicações e consequências. Algumas de minhas crenças mais arraigadas ficaram “de pés para o ar”!

Dentre elas a de que vocação – para qualquer coisa – não é uma camisa de força que a gente veste (ou que vestem na gente) e nunca mais podemos ou devemos “desvestir”. Parece óbvio, não? Mas para mim não era! E fez tanta diferença! Um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão. Um dia me disseram que os ventos às vezes erram a direção. E tudo ficou tão claro, um intervalo na escuridão. Uma estrela de brilho raro, um disparo para um coração… já cantavam os Engenheiros.

Daí compreendi que aquele jovem que tinha planos e um dia se entusiasmou por eles podia, naquela altura do campeonato, substitui-los por outros mais significativos. Que mudar de propósito não é sinônimo de desistir. Que a gente desiste mesmo é de ser feliz. Que mudar de direção também pode ser um ato de coragem. Que nunca é tarde para sentir-se mais realizado. Que não há por que insistir em corresponder às expectativas de outros etc. Aprendizados para toda uma vida!

A reflexão teológica que ele propunha – em diálogo com outras ciências humanas – potencializou a crise em que me encontrava. Uma crise de projeto. Continuar no caminho do sacerdócio ou voltar a ser um cristão atuante na família – quiçá no casamento – no mundo do trabalho e nas estruturas sociais? Como crise é sinônimo de oportunidade eu só podia crer que o Bom Deus “escreve certo por linhas tortas”. Bendita crise!

E não é que essa crise vocacional me levou a uma crise da imagem de Deus? Sim, porque até então eu acreditava que Deus havia definido um estilo de vida para eu seguir, e que desígnio misterioso de Deus a gente não discute, só compreende – por meio de um eficiente processo de discernimento – e acolhe, como o Sim de Maria diante da anunciação do Anjo. Mas e quando se compreende que a gente adota esse ou aquele itinerário de vida na proporção da nossa maturidade emocional e psíquica, expectativas e ambições? Que a nossa fé também é processual, podendo evoluir da infância espiritual à maturidade? Que a razão – que dilui crenças limitantes – é uma importante aliada da espiritualidade? E que Deus tanto compreende o ser humano – até as suas mais secretas inclinações – que o acompanha amorosamente por quaisquer que sejam os caminhos escolhidos?

Há antropologias e antropologias, teologias e teologias. De um lado, uma antropologia que desconsidera a autonomia e o mérito do homem na relação com o Sagrado. Do outro, uma teologia que convida a um ato de fé em um Divino que faz história com o homem.

Tiro o meu chapéu para o professor e amigo João Batista Libânio – que já virou estrela –por quem tenho uma reverência e dívida de gratidão.

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