Dedico essa reza aos meus ancestrais, pois a minha avó materna era muito devota de Santo Antônio e na Bahia e para ela, mulher preta e poderosa, Santo Antônio era o orixá Ogum, aquele que abre os caminhos, e tinha nas suas festas as cores azul e branca, as cores desse orixá. Salve a minha tia que até hoje reza em sua casa e a minha mãe sábia rezadora que tem a fé maior do mundo. Aqui sigo rezando todo ano, sentindo essa luz familiar e compartilhando a alegria da festa com aqueles que se ‘ajuntam’ de perto e de longe. As músicas rezadas carregam uma herança católica, com letras antigas e palavras ou melodias que vão se modificando por conta das gerações. Que Santo Antônio (Ogum) nos abra os caminhos e nos dê muita energia para seguir. Amém! Axé!
Foi mais ou menos assim que teve início “a reza a Santo Antônio” na casa de nossa amiga, em torno do dia 13 de junho. Para um leitor desavisado essa introdução poderia sugerir que se trata de uma mulher devota, engajada em um movimento religioso assim constituído, mas não é o caso. O texto fornece algumas pistas: uma reza dedicada aos ancestrais e que segue uma tradição familiar, compartilhada com ajuntados “de perto e de longe”. Na edição do ano anterior, quando também compareci, familiares e amigos acompanhavam remotamente.
Pois a Líria Morais é assim: baiana com raízes plantadas na Paraíba, é educadora e profissional da área da Dança, e também distribui o pão de Santo Antônio com moradores de rua. De quebra, é pé de valsa no forró! Não é preciso ser uma beata de igreja para se viver intensamente a sua crença e contagiar quem a rodeia.
O roteiro da reza com 11 páginas contem ainda cantos, orações, jaculatórias, responsos, ladainha em latim, indicação do momento em que se acende o incenso, oferecimento, bendito, bênção, hino e a seguinte despedida: Viva a Santo Antônio! Santo Antônio nos dê luz! Segue a festa junina com alegria, comes e bebes e cantorias dançadas. A cerimônia acontece diante do altar montado em honra ao Santo com sua imagem, flores e velas. Crianças são bem vindas. A animadora é a dona da casa. Concluída a reza, seguem-se o banquete de iguarias típicas do mês, música e dança, e o reencontro dos amigos e seus agregados.
Antes do início da “reza”, como genericamente se chama esse evento, cada participante escreve num pedaço de papel seus rogos e agradecimentos, dobra e deposita em uma bandeja. Mesmo quem não é devoto do santo confia que essa casa e a comunidade que ali se reúne abençoam essas intenções e lhes dão um bom destino. Abençoar é uma forma de conexão com o Sagrado, e uma forma de expressar gratidão e reconhecimento pela presença de pessoas especiais em nossas vidas. É também uma forma de enviar boas intenções e desejos positivos para o Universo, acreditando que essas energias retornarão de forma multiplicada. Para os crentes em Deus esse Universo tem Nome. Durante a cerimônia essas intenções são apresentadas ao Digníssimo. No dia seguinte, os papéis são depositados no mar para que o Universo providencie o que for melhor para cada um.
Curioso e sensível a manifestações religiosas não institucionais – por força da minha formação em Ciências da Religião e pelo cultivo pessoal de uma fé dialogal – participei pela segunda vez desse evento. Na ocasião, o compromisso entre mim e minha namorada (hoje, esposa) foi lembrado como atendimento do Santo às nossas preces de um ano antes, quando participamos pela primeira vez. E é disto que se trata: cada qual com sua religiosidade num encontro de congraçamento e renovação dos melhores propósitos.
A tradição familiar é compartilhada! Fé que se espraia! Vida que se renova!