O FONAPER, durante seus 15 anos de existência (1995-2010), vem realizando significativos esforços relativos à ampliação, aprofundamento e efetivação de uma concepção de ER enquanto parte integrante da formação básica do cidadão (Lei nº 9.475/97), reconhecido como uma das áreas de conhecimento que compõem a base nacional comum (Resolução CNE/CEB nº 2/98 e Resolução CNE/CEB nº 4, de 13 de julho de 2010).

Esse entendimento levou o FONAPER a propor um objeto de estudo, objetivos, encaminhamentos didáticos e metodológicos, eixos de conteúdos e pressupostos para avaliação, buscando sustentação epistemológica e pedagógica para o ER, o qual constantemente é desafiado a mostrar sua importância na superação de preconceitos, no tratamento adequado às culturas e grupos religiosos silenciados, invisibilizados, negados e/ou exotizados.

Desde o seu primeiro Estatuto, o FONAPER defende uma concepção de ER focalizada em oportunizar aos educandos o acesso ao conhecimento religioso e não às formas institucionalizadas de religião, pois essas são entendidas como competências estritamente das confissões e tradições religiosas, promovendo, assim, uma ruptura histórica com as concepções confessionais e interconfessionais que demarcaram o caráter histórico da disciplina.

Na sua Carta de Princípios, elaborada quando da sua instalação, o Fórum orientaria suas as ações e atividades buscando a garantia que a Escola, ofereça Ensino Religioso ao educando, em todos os níveis de escolaridade, respeitando as diversidades de pensamento e opção religiosa e cultural do educando.

Segundo essa carta de princípios, o FONAPER caracteriza-se como um espaço pedagógico que visa a garantir o direito do educando em conhecer e valorizar a diversidade do fenômeno religioso enquanto substrato cultural e patrimônio da humanidade, bem como dar lugar para reflexões e propostas de encaminhamentos para a implementação do ER sem discriminação de qualquer natureza.

Estando o ER excluído do movimento para elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) encadeado pelo MEC, FONAPER, em meados de 1996 e 1997, elaborou os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso (PCNER), visando à construção de um currículo de ER a partir da perspectiva da Lei nº 9.475/97, a qual alterou o art. 33 da LDB n° 9.394/1996.

A concepção que perpassa os PCNER apresenta significativos avanços no trato pedagógico da diversidade cultural religiosa, reconhecendo que a escola não é espaço para a doutrinação de uma ou mais denominações religiosas, mas sim um lugar para a socialização dos conhecimentos produzidos pela humanidade nas diferentes culturas, incluindo nesses, o conhecimento religioso, que é também um conhecimento humano.

Para alcançar os objetivos propostos ao Ensino Religioso, os PCNERs apresentam cinco (5) eixos organizadores dos conteúdos, que indicam os conteúdos programáticos de cada ciclo ou série do Ensino Fundamental:

  1. Culturas e Tradições Religiosas (filosofia da tradição religiosa; história da tradição religiosa; sociologia da tradição religiosa; psicologia da tradição religiosa);
  2. Escrituras Sagradas e/ou Tradições Orais (revelação; história das narrativas sagradas; contexto cultural; exegese);
  3. Teologias (divindades; verdades de fé; vida além da morte); 4) Ritos (rituais; símbolos; espiritualidades);
  4. Ethos (alteridade; valores; limites).

Os PCNER apresentaram uma proposta inovadora frente aos paradigmas de uma realidade educacional marcada por tentativas de homogeneização religiosa. Sinaliza para processos educacionais significativos que revelam o desejo de libertação de uma concepção monocultural, cristalizada e historicamente limitada a contemplar a “maioria”.

Apresenta uma proposta desafiadora para os dias atuais em contextos educacionais, culturais e sociais do Brasil, que precisam, podem e devem avançar em direção ao (re)conhecimento da diversidade cultural e religiosa.

Após ter elaborado os PCNER, o Fórum dedicou-se à produção do documento Ensino Religioso: Referencial Curricular do Ensino Religioso para a Proposta Pedagógica da Escola (Caderno Temático nº 1), a fim de contribuir para que as escolas do Brasil pudessem elaborar as suas propostas pedagógicas em consonância com os PCNER e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental.

A concepção de ER que perpassa o Caderno Temático 1 apresenta-se como complementar aos avanços presentes nos PCNER, garantindo o ER como parte integrante da formação básica do cidadão, assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil, sem quaisquer formas de proselitismo. Tal concepção não está vinculada à fé explícita, como adesão a uma determinada tradição religiosa, mas aos elementos do “fenômeno religioso no cotidiano da vida, objetivando compreender a busca do Transcendente e o sentido da vida que oferecem critérios e segurança ao exercício responsável dos valores universais da cidadania” (FONAPER, 2000, p. 8).
No intuito de fomentar a formação de professores para o ER no Brasil, o FONAPER, produziu 12 Cadernos para o Curso de Extensão a Distância denominado Ensino Religioso: capacitação para um novo milênio.

Esses Cadernos ampliaram significativamente a concepção de ER por apresentarem elementos até então pouco contextualizados e sistematizados. Apresentam a trajetória do ER desenvolvida a partir e por meio das múltiplas relações no contexto político-educacional, além de contribuir com fundamentos teórico-metodológicos para o desenvolvimento da docência em Ensino Religioso.

Os Cadernos reforçam significativamente o papel da escola frente a implantação do ER ao afirmarem que a ela compete garantir o acesso ao conhecimento religioso, a seus componentes epistemológicos, sociológicos e históricos. Pode, naturalmente, servir-se do fenômeno religioso e de sua diversidade, sem, contudo, erigir uma ou outra forma de religiosidade em objeto de aprendizagem escolar. Na aula de Ensino Religioso os educandos têm que ter acesso ao conhecimento religioso, não aos preceitos de uma ou de outra religião.

Nas concepções anteriores, o ER, ao afirmar uma religião como única e verdadeira, acabava provocando a segregação dos grupos religiosos diferentes. Nesse sentido, o conjunto dos 12 cadernos, em consonância com a legislação, acentua que cada educando deverá ser aceito e respeitado independente da crença que possui. Com isso, o ER passa a ser um componente agregador, pois evangélicos, católicos, budistas, luteranos, candomblendistas, umbandistas, espíritas, islâmicos, judeus, indígenas e membros de outras crenças e, inclusive, os que optam por não ter nenhuma crença têm a oportunidade de se sentarem lado a lado, estudarem, pesquisarem, socializarem e produzirem conhecimentos sem sofrerem discriminação.

Os referidos Cadernos são, nessa perspectiva, instrumentos que trazem significativas contribuições no sentido de ampliar e aprofundar as discussões referentes ao processo de construção do novo paradigma para o ER, em conformidade com a legislação em vigor.

O movimento desencadeado pelo Fórum, a partir de 2009, buscando a não aprovação do Art. 11 do Acordo Brasil-Santa Sé, que trata do Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, também revelaram a compreensão de Ensino Religioso compreendida. Nos diversos manifestos, documentos e pronunciamentos, o FONAPER defendeu que o ER é componente curricular do Ensino Fundamental, parte integrante da base nacional comum, cuja regulamentação se deu pela Lei nº 9.475/97. Desse modo, o Fórum ratificou a importância e a necessidade de a escola disponibilizar a seus educandos, no conjunto dos conhecimentos, conteúdos referentes à diversidade cultural religiosa do povo brasileiro, promovendo e exercitando a liberdade de concepções e a construção da autonomia e da cidadania, aspectos basilares de um Estado laico e democrático.
Nessa perspectiva o FONAPER, desde a sua instalação (1995), vem apresentando e propondo à comunidade brasileira, que o ER não deve ser entendido como ensino de uma religião ou das religiões no contexto escolar, mas sim uma disciplina embasada nas Ciências da Religião e da Educação. Enquanto componente curricular, ao considerar as diferentes vivências, percepções e elaborações que integram o substrato cultural da humanidade, constitui-se rica fonte de conhecimentos que instigam, desafiam e subsidiam as diferentes gerações, oportunizando a liberdade de expressão religiosa e viabilizando desta forma, a prática da “Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural” (UNESCO, 2001).

Portanto, o FONAPER entende que o ER, enquanto componente curricular deve atender à função social da escola, em consonância com a legislação do Estado Republicano brasileiro que tem na sua base o respeito, a acolhida e a valorização das diferentes manifestações do fenômeno religioso no contexto escolar, a partir de uma abordagem pedagógica que estuda, pesquisa e reflete a diversidade cultural religiosa brasileira, vedadas quaisquer formas de proselitismos. Assim, visa contribuir na formação plena do cidadão, no contexto de uma sociedade cultural e religiosamente diversa, na qual todas as crenças e expressões religiosas precisam e podem ser respeitadas.

As diferentes crenças, grupos e tradições religiosas, bem como a ausência delas, são aspectos da realidade que devem ser socializados e abordados como dados antropológicos e socioculturais, que podem contribuir na interpretação e na fundamentação das ações humanas.

Com isso, justifica-se que o ER, como as demais áreas do conhecimento, necessita de um tratamento didático-pedagógico adequado, a fim de organizar os conteúdos e trabalhá-los na perspectiva de construção de conhecimentos. Trata-se do fazer pedagógico “em nível de análise e conhecimento na pluralidade cultural da sala de aula, salvaguardando, assim, a liberdade de expressão religiosa do educando” (FONAPER, PCNER, 1997, p. 38).

A concepção de ER presente na atual legislação e nos documentos produzidos pelo FONAPER é uma marca na história da educação brasileira e especificamente para o componente curricular do ER pois representa um salto significativo referente ao tratamento das diferentes identidades culturais e religiosas que transitam o cotidiano escolar.

Verifica-se nos últimos anos que as pesquisas e temáticas propostas e discutidas em eventos tanto do FONAPER quanto de outras instituições relacionadas e comprometidas com a pesquisa e a formação de docentes em ER, estão buscando novos paradigmas que se aproximam às discussões relacionadas à interculturalidade, aos direitos e deveres humanos, ao currículo e à formação docente sob novas perspectivas, a fim romper com os processos educacionais monoculturais, que reproduzem discriminações, preconceitos e silenciamentos no cotidiano escolar.

Nessa trajetória em busca da construção de um outro paradigma para o ER, destaca-se a ousadia do FONAPER em buscar outros olhares, perspectivas e desafios, integrando a diversidade cultural religiosa presente na sociedade e na escola brasileira.

Este texto é um recorte do artigo intitulado Concepção de Ensino Religioso no FONAPER: trajetórias de um conceito em construção, de autoria do Prof. Adecir Pozzer, publicado na obra Diversidade Religiosa e Ensino Religioso no Brasil: memórias, propostas e desafios, publicada em 2010, em comemoração aos 15 anos do FONAPER.

4 thoughts on “Concepção de ensino religioso no FONAPER: Trajetórias de um conceito em construção

  1. Luiz Antonio Santos says:

    Grande a relevância dessas informações para o docente em Ciências das Religiões, visto que a divulgação da Fonaper na academia, ainda é tímida, sugiro empenho e propagar.

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