O leitor deve ter se perguntado: o que faz a “lnconfidência Mineira” numa coluna sobre diversidade religiosa? Explico com prazer, mas leia este pequeno artigo até o fim, ok? O papel da arte na história costuma ter pouca relevância nos estudos escolares brasileiros. No caso de Tiradentes, a arte definiu a sua imagem a partir da decisão militar de transformá-lo em um herói nacional.
HERÓI, MORREU PELA CAUSA
Tiradentes foi o único inconfidente que teve a pena máxima com requintes de crueldade e teatralização típicos do império colonial português. A crueldade costuma parir mártires. Porém, é no quadro Tiradentes Esquartejado, do paraibano Pedro Américo, que o Imaginário brasileiro contemporâneo recebe Tiradentes. A cena é dura e faz um explícito paralelo com a crucificação do Rabi Jesus.
A CENA
A cabeça do mártir repousa sem o corpo sobre a madeira do patíbulo onde ocorreu o enforcamento. A barba longa e a cabeleira vasta sobreviveram ao ato bárbaro de esquartejamento do corpo de quem ousa se levantar contra o domínio imperial português. A face está serena. O tórax repousa logo abaixo, tendo um dos braços arriado sobre a escada no patíbulo. As pernas arrancadas estão distantes. Vemos apenas o pé de uma delas, mas a outra vemos já perpassada pela lança de madeira que vai servir para expor aquele pedaço do corpo como exemplo de poder do império… Um crucifixo é o símbolo mais alto e central da obra.
O ARQUÉTIPO
O herói sacrificado, que doou a própria vida para o bem dos outros, é um arquétipo muito forte na Civilização Cristã. O próprio Jesus compõe com este arquétipo a sua adjetivação de Cristo. Na obra em tela, Tiradentes representa uma espécie de “Cristo nacional”, herói de uma nação com muito poucos heróis populares. É um arquétipo de resignação, porém com muita determinação! No uso de imagens apropriadas, esta cena realiza a cristificação de Tiradentes.
RECORRÊNCIA
Adotado como fonte iconográfica por muitos livros e cadernos didáticos, o quadro Tiradentes Esquartejado tornou-se parte da nossa Cultura Histórica, ou seja, da forma como os brasileiros concebem sua própria história. Se um historiador diz que não foi assim, a força maior do desejo de ter uma história gloriosa e eufêmica, se impõe, dando “razão” ao pretenso testemunho imagético do “real” por parte do artista, que viveu um século depois do fato. Então, a arte não só é indispensável para a compreensão da história como pode direcioná-la….