No calendário da cristandade, a passagem do carnaval para a Quaresma é, hoje, um dos momentos mais significativos da tensão permanente entre o tempo do homem e o tempo de Deus. Nem sempre teve este destaque, mas a busca do clero católico, tanto romano quanto oriental, por formas de reafirmação do seu poder moral, gerou muitas implantações no calendário que acabaram epifânicas, ou seja, exibições no mundo do homem de algo que vem do mundo de Deus.

COMO ERA ANTES

As noções de carnaval e Quaresma são quase “imemoriais”, mas o formato atual tem muita história. Seguindo uma História das Religiões sensível ao Imaginário, podemos afirmar que a dualidade absoluta tipo carnaval X Quaresma é uma imposição de parte do clero que se consolida na aliança desta parte com os “homens bons” na Idade Moderna. Explico: no difícil ambiente das reformas protestante e católica, a disputa foi refletida no endurecimento contra possíveis desvios, hereges e outras religiões. É o tempo da inquisição e dos tribunais calvinistas, por exemplo.

HISTORIANDO

A disputa pelo poder engendrada pelas hierarquias terrenas refletiu-se na demonização radical do carnaval. Preleções contrárias ao carnaval já ocorriam muito antes da Idade Moderna, mas a sistematização de uma oposição teologicamente absoluta entre ambos marca muito mais o Ocidente Moderno e Contemporâneo do que os períodos medieval e antigo. A aliança entre uma parte significativa dos clérigos católicos e protestantes com homens leigos cristãos derrotou amplamente a Cultura Popular e o que restava de outras Religiões na Europa Moderna. A cultura popular, inspiradora das brincadeiras de carnaval, foi quase varrida da Europa. “A quaresma venceu”, segundo o eminente historiador britânico Peter Burke.

A BELEZA DA QUARESMA

O Fundamentalismo Religioso que marca setores amplos do cristianismo dos nossos dias ainda não se desvencilhou da armadilha do radicalismo. Contudo, há uma beleza fenomenológica na Quaresma. Na principal fonte para o tema na web, pode-se ler: “O Tempo da Quaresma é o período do ano litúrgico que antecede a Páscoa cristã, sendo celebrado por algumas igrejas cristãs, dentre as quais a Católica, a Ortodoxa, a Anglicana, a Luterana e algumas denominações Presbiterianas e Reformadas” (Wikipédia). No coração dos fiéis destas igrejas, sobrevive o arquétipo maior da quaresma, que é o da salvação do homem feito filho de Deus que se fez Cristo. O arquétipo crístico está no cerne do cânone ocidental da Salvação para a Vida Eterna. Que assim seja!

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