No mês da mulher, a relação entre religião e gênero, que vem sendo tão distorcida pela ação ideológica alienante principalmente da extrema-direita, é tema indispensável para compreendermos o trajeto complexo do feminino na história A religião lida o tempo todo com os assuntos da vida. Em parte, ela os reflete. Seria inconcebível imaginar uma sociedade humana sem o fenômeno religioso, mesmo que existam algumas sem religião institucional e sem deuses. Seja como for, o gênero estará lá, tratado conforme valores, ideais, tipo sociais e transcendência de cada grupo humano singular.

A GRANDE-MÃE

O arquétipo mais conhecido do feminino na religião é o da deusa-mãe, com seios e cabeça convergindo para um gesto de aconchego e, ao mesmo tempo, um  gracioso de imponência. A grande-mãe está ligada a uma rica simbologia da terra, às imagens noturnas, uterinas e aconchegantes e ao equilíbrio na nossa relação com a natureza. Nestes tempos de pós-verdade e de fakenews, a deusa tem sido confundida com noções de subserviência à maternidade e complacência diante dos terrores do mundo. Trata-se de uma assertiva injusta e, sinceramente, ignorante. O aconchego e o repouso que o feminino carrega ao simbolizar as principais narrativas míticas da humanidade, são imagens terapêuticas que salvam o homem do desespero. São imagens corajosas.

MULHER GUERREIRA

Devemos nos perguntar o motivo da confusão entre feminilidade e fraqueza. Não é uma questão que se possa responder com um fator só, mas acredito que um dos fatores principais está na supervalorização do masculino pelo capitalismo. Afinal, somos uma sociedade que valoriza bastante a força e os conflitos totalmente antagônicos geradores de pretensos heróis. Esta valorização antecede o capitalismo moderno, mas é nele que ela torna-se legislação e políticas públicas dos estados nacionais. A sensibilidade, a percepção refinada da psique – alheia e de si -, a intuição e a aproximação com a natureza são alguns componentes do feminino que não recebem atenção maior e não estão na centralidade dos valores sociais do ocidente cristão. Isto tem rebatimento sociológico na desvalorização e até, ainda, na possível submissão de mulheres.

ISONOMIA

Buscar a igualdade entre homens e mulheres é um ato com repercussões imensas, que vão da ecologia aos conflitos armados e à guerra. Um homem heterossexual, branco, bem escolarizado e pertencente as classes superiores do capitalismo (A e B) deve ou deveria ser muito bem-vindo quando se declara feminista. O feminismo é uma bandeira de luta que ultrapassa o chamado gênero feminino. A humanidade precisa rever as imposições de gênero descabidas para que possa pleitear um futuro viável para e sobrevivência da espécie. Não é mais uma questão de opinião. É uma questão de sobrevivência. Sem um mínimo de equilíbrio entre o masculino e o feminino, não conseguiremos evitar o vórtice que se mostra bem diante de nós apontando a extinção da humanidade por sua falência ecológica.

E AS RELIGIÕES COM ISSO?

Tudo. Simplesmente, tudo. As religiões tem tudo haver com este problema e, principalmente, com sua solução. O recente avanço do fundamentalismo religioso em diversas religiões é bem pior que os danos sociais que ele causa. Quando o fundamentalismo busca diminuir a mulher, está apontando para o desequilíbrio da vida em um planeta pequeno e superlotado, cada vez mais, de bocas famintas que contam, cada vez menos, com áreas e sistemas de sobrevivência e convívio civilizado justo. A humanidade precisa da força da mulher não só para induzir a paz e o conforto do feminino, mas também para estudar e produzir livremente de forma que tenhamos as soluções urgentes para o reequilíbrio entre a nossa espécie e o “nosso” planeta. Portanto, o mês da mulher é, de certa forma, de todas e todos nós!

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