Surge mais uma variante do vírus causador da covid-19 e o debate religioso em torno do tema se aguça. Esta peste, como todas as outras na história do mundo, desafia os eufemismos com os quais tentamos e muitas vezes conseguimos enfrentar o vazio e a finitude da vida. Ressalto que sem estes eufemismos a vida seria impossível em termos psicanalíticos e mesmo históricos. Somos basicamente um animal simbólico, ou seja, um animal que simboliza o mundo a partir da sua imaginação para dar sentido ao caos que nos envolve.

VACINA X MILAGRE

Mesmo respeitando profundamente todas as religiões, não podemos deixar de notar que a ousadia de tentar negar a ciência e invocar milagres para deter uma pandemia, é simplesmente inaceitável em termos civilizacionais. Não precisamos e nem devemos colocar em questão a existência ou não de milagres que curem seres humanos de qualquer doença. O problema não está aí. A questão central neste caso é a ruptura do pacto civilizacional que nos une e nos agrega há séculos. O ocidente é culturalmente cristão, mas isso não significa submissão a dogmas. Antes, muito pelo contrário, foi o próprio cristianismo que nos permitiu construir o pensamento crítico e autocrítico. A ciência é autônoma!

3 INSTÂNCIAS DE PENSAMENTO

Grosso modo, podemos dizer que vivemos em uma sociedade na qual o científico, o teológico e o filosófico, se relacionam e se respeitam. No caso, quando o assunto é saúde pública, é a ciência que precisa ser acionada. Este pacto iluminista pode ser questionado e deve ser aperfeiçoado, mas não pode ser abandonado casuisticamente em um momento de emergência pública. Filosofia e religião têm muito a dizer para e sobre a pandemia, mas respeitando a autonomia e a história da ciência no ocidente. O veto religioso ou político-ideológico à vacina é uma negação do nosso “pacto cultural”.

E DEUS COM ISSO?

Para o nosso cotidiano social de controle de uma emergência em saúde pública, Deus não pode nem deve ter nada a ver com isso. Deus tem a ver com a fé de foro íntimo daqueles que a têm. Tal fé é muito importante para os cuidados espirituais diante da nova pandemia de saúde mental que aflige a humanidade agora no contexto da Covid. Note que isto não é uma opinião, mais uma constatação de como funciona essa sociedade em que vivemos. A liberdade individual não engloba o direito de fragilizar a vida em sociedade. Sendo assim, independentemente de alguma crença sobre a origem divina da pandemia, as relações sociais entre nós são regidas pelo pensamento científico em um assunto como este.

LIBERDADE X SAÚDE PÚBLICA?

Tentam agendar o nosso pensamento em torno de uma falsa oposição entre liberdade individual e decisão coletiva de saúde pública. Felizmente, no caso do Brasil, a nossa tradição de vacinação parece ter mais força que o negacionismo cientifico pautado por uma outra autoridade pública e mesmo medicinal. Nenhuma prática médica deve ser desprezada, mas isso precisa incluir a prática de vacinar multidões para salvar centenas de milhares de pessoas que ainda poderiam estar entre nós se o calendário da vacinação tivesse sido decidido a tempo. Agora, é torcer para que isso seja suficiente para o arrefecimento da letalidade adiante…

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