Semana passada, começamos a debater a resolução 440 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nesta segunda e última parte, pretendo lançar luz sobre um aspecto do assunto. Saúdo o documento na medida em que ele aponta o caminho de respeitar, harmonizar e amar uns aos outros no campo religioso, conforme prerrogativas da ONU. Claro que se considera bom saber que este importante Conselho se preocupa com o tema das religiões. Entretanto, faço ponderações. A principal delas é crucial e indica, talvez, algum desconhecimento do debate deste assunto na área que academicamente o desenvolve há séculos: a de Ciências das Religiões e Teologia. A nossa área foi ouvida?

LIBERDADE É DIVERSIDADE?

O CNJ teria marcado um gol de placa se tivesse criado uma política nacional para a Diversidade Religiosa no meio jurídico. Ao priorizar a avó da Diversidade, o egrégio conselho manteve, na prática, o jogo como estava. Reafirmou documentos internacionais importantes e lembrou aos magistrados aquilo que eles já deveriam saber, mas não avançou no pensamento vindo do estudo das religiões em si. A importante, porém ultrapassada, noção de Liberdade Religiosa, está contida na noção de Diversidade Religiosa e foi por esta superada. Em pleno 2022, voltar para trás mais de 200 anos nas gerações dos Direitos Humanos e buscar “apenas” a Liberdade, pode ser, talvez, um ato conservador…

DE ONDE VEM TAL LIBERDADE?

A liberdade é um bem tão precioso que precisa ser sempre reafirmado e bem localizado. A Liberdade Religiosa foi uma conquista do século XVIII. Ela é um aporte indispensável para vivenciar a Laicidade do Estado. Entretanto, a Liberdade Religiosa já não dá conta do mundo contemporâneo. Foi boa para os tempos de Voltaire, mas não consegue compreender plenamente os tempos de Saramago. Além disso, a resolução do CNJ bem poderia ter centralizado sua argumentação na defesa da Laicidade do Estado como parte da missão dos magistrados. A Laicidade parece quase ausente do documento. Este é o ponto: Diversidade relig Religiosa dá conta de Liberdade e de Laicidade porque é um conceito atualizado. Sendo assim, infelizmente, a resolução pode ter apenas chovido no molhado.

A JUSTIÇA E A RELIGIÃO

Talvez, entretanto, a grande qualidade no documento seja, a esta altura, a de lembrar o óbvio nessa era conservadora e até reacionária que vivemos hoje. Não tem sido raro, ao receber notícias de decisões da Justiça, constatarmos que, ao se debruçar sobre algum assunto religioso, a autoridade perde-se no caminho. De forma consciente ou não, muitas decisões usam o senso comum e até ideias pseudo-científicas. Em um contexto assim, lembrar o dever a quem tem o dever de conhecer os temas sobre os quais tomará decisões, pode ser um grande avanço. Também pode ser um recado para alguns magistrados que se organizam em associações religiosas que se dizem profissionais como se a vocação magistrática fosse a de unir religião com magistratura, o que fere a nossa Constituição Cidadã de 1988.

PLENÁRIAS

Tendo em vista o duro papel alienante do Fundamentalismo Religioso na vida social, política e eleitoral do país, considero meu dever de cidadão, enquanto pesquisador dedicado às Ciências das Religiões e à Diversidade Religiosa, propor que a Justiça convoque plenárias científicas cidadãs em que possamos dialogar para estabelecer (re)conhecimentos mútuos. De tal forma, que ajudemos o país a avançar com tranquilidade, mantendo a Laicidade da República, uma das nossas principais conquistas históricas republicanas!

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